Por Philip Ball
26/10/2022
A mente é um conceito elusivo, que tem perplexado os maiores pensadores do mundo desde tempos imemoriais. A mente é fundamentalmente material, imaterial ou algo entre esses dois extremos? Filósofos, psicólogos e neurocientistas ofereceram muitas explicações diferentes, mas essas frequentemente sofrem com uma terminologia excessivamente técnica e uma especialização extrema. O escritor científico Philip Ball apresenta uma análise perspicaz e acessível sobre as mentes, onde quer que possamos encontrá-las, incluindo em humanos, animais não humanos, máquinas e extraterrestres. O trecho a seguir oferece uma amostra do que você encontrará em seu novo livro.
Existe alguma essência que todas as mentes compartilham? Se eu tivesse que escolher uma característica central que define a mente, seria esta: uma mente busca o que é significativo para ela no universo. Pois aqui está a verdade estranha, mas inevitável, sobre a natureza da realidade: ela não possui uma forma única, mas precisa ser interpretada, filtrada e avaliada. Tenho procurado enfatizar que o que a mente humana percebe não é “o mundo”, mas sim uma representação interna dele que nos é útil. Não vemos o calor (a radiação infravermelha de objetos quentes), embora possamos senti-lo se estivermos próximos o suficiente da fonte (que pode ser o corpo de outra pessoa). Não conseguimos ver raios X. Não possuímos um aparato biológico que nos permita enxergar átomos, ou mesmo bactérias. Nossa janela sensorial para o mundo, e a representação que criamos a partir dela, é mais restringida pela evolução do que pelas leis físicas. A capacidade de enxergar micróbios (pelo menos) com “olhos de microscópio” não é proibida pelas leis da óptica, e pode-se imaginar que, em certas situações, seria útil — mas, aparentemente, não valia o investimento evolutivo.
Nossa informação significativa, nossa realidade pessoal, é selecionada a partir de um vasto conjunto de elementos que estão “lá fora” — não de maneira arbitrária, mas de um modo que se alinha suficientemente com o que o mundo físico contém, permitindo-nos sobreviver, prosperar e nos reproduzir dentro dele. Como vimos anteriormente, mesmo o que nossa mente percebe é apenas um subconjunto do que nosso aparato sensorial registra — filtrado, moldado e integrado de acordo com o que é útil como base para o comportamento. Além disso, nossas mentes atribuem valor a essa informação: o que é mais significativo (por ser mais útil) recebe maior valor para nós. Giulio Tononi e Gerald Edelman sugerem que essa escala de valores é criada pelas emoções.
O processo de seleção dos estímulos sensoriais é ampliado pela conjectura. De fato, nosso mundo mental é, em grande parte, conjectural: ele é, na verdade, mais vasto do que nosso mundo perceptivo, pois inclui coisas que sabemos que aconteceram, mas que não estamos mais experienciando, e coisas que sabemos que existem e estão ocorrendo fora do nosso campo de visão (mas não fora de nossa mente). Emily Dickinson expressou isso de maneira maravilhosa:
O cérebro — é mais vasto que o céu —
Pois — colocados lado a lado —
Um conterá o outro
Com facilidade — e a você — também.
Essa é, portanto, uma forma de pensar sobre o que realmente é a mente: um processo pelo qual a natureza bruta é dotada de valor. Quando os cientistas dizem (como alguns, temo, tendem a fazer) que o universo parece desprovido de propósito, eles estão cometendo um erro de categoria. O universo em si não é o lugar certo para se procurar por significado, por um propósito para a existência. Em vez disso, olhe para as mentes, que criam universos próprios.
Referência:
BALL, Philip. The Book of Minds: How to Understand Ourselves and Other Beings, from Animals to Al to Aliens. University of Chicago Press, 2022.
Tradução voluntária de Marconi Fabio Vieira.
Fonte: https://www.templeton.org/news/what-are-minds-and-where-will-you-find-them
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