By Marconi Fabio Vieira, PMP®
IA, Word e o paradoxo moderno da autoria humana
Introdução
Vivemos um tempo em que os limites entre ferramenta e autoria estão sendo testados como nunca antes. Com a ascensão das inteligências artificiais generativas — capazes de redigir textos, resumir documentos e propor ideias — uma nova pergunta emerge com força nos bastidores acadêmicos, editoriais e espirituais:
Afinal, o que significa ser autor?
Não é mais apenas uma questão de escrever bem ou pensar com profundidade. Agora, é preciso justificar se a mão que escreveu foi apenas humana — ou se, de algum modo, foi assistida por uma IA.
Mas será que isso nos torna menos autores? Ou será que estamos diante de um paradoxo moderno, onde a ética da autoria está menos na ferramenta usada e mais na consciência e integridade de quem escreve?
- Ferramentas não substituem autores
Desde que a primeira pena tocou o papiro, escritores se apoiam em ferramentas. No século XXI, ninguém questiona a legitimidade de usar o Microsoft Word, o Google Docs, ou um corretor ortográfico automático. Mesmo ferramentas avançadas como tradutores automáticos, assistentes de formatação e revisores gramaticais são amplamente aceitos.
Por que, então, a IA generativa causa tanto desconforto?
Talvez porque ela parece “inteligente demais”. Mas no fim das contas, ela é apenas mais uma ferramenta — que organiza palavras a partir de padrões, enquanto quem direciona os propósitos, define os tópicos, filtra o que serve e o que não serve continua sendo o autor humano.
- Não existe criação do zero
A noção de uma autoria absolutamente original é, no mínimo, ingênua. Todos nós escrevemos a partir de uma bagagem: livros que lemos, cursos que fizemos, experiências que vivemos, conversas que tivemos, e — para os que creem — inspirações que recebemos do Espírito.
Como já dizia o sábio em Eclesiastes: “Não há nada de novo debaixo do sol” (Ec 1:9).
A verdadeira autoria está não em inventar o inédito, mas em recombinar, interpretar e iluminar com autenticidade aquilo que já circula no corpo vivo do conhecimento.
- Um cenário fictício — mas real demais
Imagine um autor experiente, com anos de atuação em tecnologia e governança, que decide escrever um artigo sobre os desafios da IA generativa nos processos corporativos. Ele estrutura o conteúdo, define as seções, constrói os argumentos com base em frameworks consagrados, aplica sua vivência prática e revisa cada linha cuidadosamente.
Para agilizar o processo, ele usa uma IA para auxiliá-lo em alguns trechos: testar diferentes formas de introdução, aprimorar a coesão textual, revisar duplicações. Nada diferente de quem usa o Word para alinhar margens ou corrigir erros gramaticais.
O resultado é um artigo robusto, coerente, ético e extremamente relevante.
Mas ao tentar submetê-lo a uma publicação, ele se depara com um aviso:
“Não aceitamos textos escritos ou editados com auxílio de inteligência artificial. Todo conteúdo deve ser 100% humano.”
A questão é: será que esse conteúdo é menos humano porque foi aprimorado com uma ferramenta moderna?
Ou será que estamos confundindo meios técnicos com propósito e responsabilidade?
- A linha entre autoria e mediação sempre existiu
Se aceitarmos que qualquer uso de ferramenta compromete a autoria, então também deveríamos rejeitar textos digitados no Word, traduzidos pelo DeepL, revisados por editores humanos ou baseados em pesquisas feitas no Google Scholar.
A verdade é: a autoria não se perde pela mediação da ferramenta — perde-se quando há ausência de consciência, intenção e responsabilidade.
O autor é aquele que:
- Decide o que será dito;
- Assume as implicações do que escreveu;
- Aplica filtros éticos e espirituais sobre o conteúdo;
- E entrega ao mundo algo com propósito, não apenas com forma.
- O risco não está na IA — está no uso sem discernimento
Usar IA não é errado. Errado é:
- Copiar e colar textos sem entender seu conteúdo;
- Substituir reflexão por automatismo;
- Fingir autoria sem responsabilidade.
Por outro lado, usar IA como instrumento de amplificação criativa, com discernimento, revisão e autoria consciente, é não apenas lícito — é estratégico.
- O coração da autoria está na motivação
Quando um autor cristão se propõe a escrever, ele não busca apenas “gerar conteúdo”. Ele deseja edificar, orientar, provocar reflexão, ou mesmo glorificar a Deus com aquilo que compartilha.
Nesse sentido, mesmo que use recursos tecnológicos, ele continua sendo 100% autor humano e 100% servo da inspiração que o move.
- O futuro será híbrido — e ético
Negar o uso de IA no processo criativo é como, no passado, proibir o uso de computadores para quem queria ser um “verdadeiro escritor”.
As organizações que entenderem isso cedo estarão mais preparadas para acolher conteúdos relevantes, consistentes e modernos — produzidos por pessoas que usam a tecnologia com temor, inteligência e propósito.
- Conclusão: O que nos torna autores diante de Deus e dos homens
Você é autor quando:
- Assume a responsabilidade pelo que diz;
- Busca a verdade com integridade;
- Utiliza as ferramentas com sabedoria e não com vaidade;
- E entrega ao mundo algo que leva sua marca espiritual, intelectual e ética.
A IA não rouba sua autoria — ela apenas revela se você sabe realmente quem está no comando da sua criação.
E como toda boa obra, cabe a você discernir:
- Quando usá-la;
- Quando não;
- E sobretudo: para quem você escreve, e por que.
Citação deste artigo:
ABNT:
VIEIRA, Marconi Fábio. Afinal, quem é o autor?. Zenodo, 9 maio 2025. DOI: 10.5281/zenodo.15377316. Disponível em: https://doi.org/10.5281/zenodo.15377316.
APA:
Vieira, M. F. (2025, May 9). Afinal, quem é o autor?. Zenodo. https://doi.org/10.5281/zenodo.15377316
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